Storytelling pela Terapia do Jogo de Areia

Storytelling pela Terapia do Jogo de Areia

Olga Lipadatova é Supervisora Certificada e Membro Docente da Associação Canadiana de Terapia do Jogo de Areia (CAST), Sociedade Internacional de Terapia do Jogo de Areia (ISST) e ensina também na Rússia.


Olga tem Mestrado em História Antiga pela Universidade Estatal do Moscovo e Mestrado em Terapias pelas Artes Criativas da Universidade Concordia, Montreal, Quebec, Canadá. Recebeu uma bolsa Federal de investigação para a sua investigação de Doutoramento pela Universidade de Concordia focada na Terapia Sandplay.

Fez o trabalho com a participação de 6 imigrantes que lhe contaram as suas histórias através do processo da Terapia Sandplay. Desde 2003 Olga trabalhou no âmbito da Saúde Mental e organizações comunitárias, bem como no seu consultório particular como psicoterapeuta, arteterapeuta e conselheira. Fez várias apresentações em Conferências Nacionais e Internacionais. Durante alguns anos foi membro do Conselho da Associação pela Terapia das artes do Quebec. Depois disso foi membro da Associação Canadiana de Terapia Sandplay, onde assume atualmente o papel de Presidente. Olga é professora e supervisora em Arteterapia e Terapia Sandplay no Canadá e na Rússia. Desde 2014 que Olga tem trabalhado como psicoterapeuta no seu consultório particular em Guelph, Ontário. Olga promove o storytelling através da arte e expressão Sandplay como sendo o método que ajuda a mudança individual e social na vida. Mais sobre Olga: Olga Lipadatova

Tivemos uma grande honra e privilégio em assistir à apresentação da Olga durante o II Seminário Internacional sobre Contoterapia e Storytelling organizado pela Moonluza. Na próxima edição teremos a possibilidade de participar no workshop pré-Seminário que será realizado pela Olga em colaboração com o terapeuta israelita Shai Karta Schwartz.

Moonluza (Mo): Olga, como é que começou o seu caminho com a terapia do Jogo de Areia?

Olga Lipadatova (OL): A minha viagem começou em 2000 quando iniciei os meus estudos de Mestrado em Terapias pelas Artes Criativas na Universidade Concordia. Um dos nossos professores de Arteterapia (já reformado Profª. Denise Tanguay) levou o nosso grupo de estudantes de arteterapia para umas instalações onde se encontravam preparados dois gabinetes de terapia do jogo de areia. Tive o meu momento ‘aha’ mal entrei naquela sala. Imagine entrar numa sala cheia de prateleiras com múltiplas figuras e objetos, com uma mesa no meio com duas caixas de areia…..

Mo:  Pode falar-nos um pouco mais sobre esta Terapia?

OL: A Terapia do Jogo de Areia começou na Suiça por Dora M.Kalff nos anos 1950 como uma abordagem psicoterapêutica para trabalho com crianças. Hoje em dia é uma modalidade bastante conhecida e usada também no trabalho com adultos. A essência desta terapia é de que pelo jogo imaginativo espontâneo na caixa cheia de areia seca ou húmida, pessoas consigam esculpir a areia e posicionar figurinhas e objetos em miniatura para criar cenas ou ‘mundos’ tridimensionais. Estes ‘quadros de areia’, como nós os chamamos, refletem o estado do mundo interior da pessoa e mediam entre ela e o mundo exterior. No decorrer do processo do jogo de areia poderá ocorrer uma cura psicológica nos casos em que tenha havido ferimento psíquico. As últimas pesquisas neurobiológicas mostram que o jogo de areia faze efeito pela ativação do impulso inato da psique humana em direção da cura e da plenitude tão descrita por C G Jung.

 

Mo: A sua apresentação durante o II Seminário da Moonluza era baseada no trabalho feito com imigrantes e pesquisa conduzida na Universidade de Concordia em Montreal Canada. Disse que descobriu que independentemente do país de origem, todas as pessoas partilham as aspirações semelhantes quando mudam para um novo país de residência; todos querem criar uma história melhor para eles próprios e para os seus filhos. E nessa altura de transição para uma nova realidade o conto de vida de cada pessoa muda dramaticamente, mas sonhar e criar uma história nova não é uma tarefa fácil. Este é um tema muito importante na Europa atual em que tantos refugiados procuram paz em outros estados. Pode dizer-nos um pouco mais como os seus participantes se imergem no processo da criação de uma nova história e uma nova visão da vida numa realidade nova e como isso pode na realidade mudar as suas vidas?

OL: Demorei seis anos e 600 páginas para responder a esta pergunta. Em resumo, trata-se de serem capazes de abrir portas para uma nova visão da vida numa nova realidade. Uma das maneiras comuns de lidarmos com novos desafios (e mudança para um novo país apresenta uma série de novos desafios) é de aplicar as ferramentas que já funcionaram anteriormente. Mas estas ferramentas foram elaboradas e desenvolvidas para uma realidade diferente e podem não ser mais eficazes nas novas circunstâncias. Isto é especialmente verdadeiro e complexo quando falamos de um novo ambiente sociocultural. Quando a pessoa entra na sala do jogo de areia a abundância de representações simbólicas em forma de figuras e objetos ativa a habilidade de ‘brincar’ com eles, tal como fazem as crianças. Este processo ‘de brincar’ no, como o chamava Sra. Kalff, ‘espaço livre e protegido’ permite sonhar além do imediato. Ao fazê-lo as pessoas atrevem-se a criar uma nova realidade, uma nova história, mais próxima às necessidades interiores destas pessoas. Como a nossa psique possui um impulso inato em direção da cura e da plenitude, ao experienciar o processo do jogo de areia a pessoa resolve conflitos internos e cura feridas, o que traz habilidade para se relacionar com uma nova realidade externa de uma forma consistente.

Mo: Faz costume de escolher alguns contos para os seus participantes/pacientes?

OL: Não escolho histórias para os meus clientes: as mesmas vêm de uma realidade interior deles. Como C J Jung explicou, todos partilhamos um conjunto de inconscientes coletivos que se manifestam em forma de imagens e histórias com as quais nos podemos relacionar. É por isso que há histórias provenientes de várias partes do mundo que falam de eventos semelhantes e têm fábulas parecidas.

Mo: Acredita que os contos podem curar?

OL: Sim, acredito fortemente nisso. Já vi acontecer no meu gabinete muitas vezes. Também o experienciei nos grupos de Arteterapia que conduzi. Nesses workshops cada participante encontraria o seu lugar numa história contada coletivamente no grupo. Ao reencenar os contos, os participantes descobriam as suas forças e eram capazes de trabalhar num fim da história que os capacitasse. Após tê-lo feito em grupo era mais fácil para eles contruir uma nova história na vida real e acredito que é isso que é a cura. Uma abordagem semelhante será apresentada durante o workshop que co-realizarei no próximo ano com shai Karta Schwartz, terapeuta do Israel.

Mo: Tem um conto favorito?

OL: Tenho muitos contos favoritos. Um deles é o ‘Patinho feio’ de Hans Christian Andersen que na minha opinião reflete a história individual de cada pessoa. É uma história de alguém que tentou pertencer algures e tinha que passar por muitas provas até encontrar a sua beleza interior, até descobrir a sua verdadeira natureza e identidade.

Mo: Em março de 2016 participou no II Seminário Internacional sobre Contoterapia e Storytelling organizado pela Moonluza. Esta foi a sua primeira vez em Portugal? O que acha sobre este projeto?

OL: Sim, esta foi a primeira vez em Portugal e achei este país de uma beleza e espirito infinitos, tanto na natureza como nas pessoas. Sintra, onde a Moonluza realizou o Seminário é um verdadeiro lugar de conto de fadas. Adriana, a nossa anfitriã, conseguiu proporcionar um encontro verdadeiramente internacional de profissionais que trabalham com storytelling e contoterapia. Houve tempos em que a sabedoria dos nossos antepassados era transmitida para as seguintes gerações pelos contos. Na Rússia há um dizer que podia ser traduzido da seguinte forma: ‘ O conto de fadas não conta a verdade mas traz a mensagem que ensina a verdade.’ Acho que a Adriana criou um evento único que é muito preciso nos dias de hoje num mundo que ameaça sair de uma realidade sensível e tangível…

Muito obrigada pela entrevista. Até para o ano!

agosto de 2016